terça-feira, 4 de julho de 2017

Coisas inúteis

Por Isabel Galvanese



Ando lendo devagarinho - para que dure bastante!- um livro precioso, Degas Dança e Desenho, de Paul Valéry.
Logo nas primeiras páginas tem um pensamento que mexeu comigo. A maior parte dos nossos movimentos tem uma finalidade. Agachar para pegar uma coisa, andar até um lugar, deitar para descansar, subir uma escada para buscar algo no andar de cima . O tempo todo nos mexemos para conseguir algo. Mas, de repente a gente dança. Para que?
Com esse livro na cabeça, estive no Vento festival , que é um encontro de bandas independentes que aconteceu em junho em São Sebastião. Em um dos shows, comecei a reparar todos dançando- inclusive eu! -e me veio à cabeça de novo, por que fazemos isso? Só sei que é muito bom!
Podemos pensar também na fala. Conversamos, cochichamos, gritamos sempre para pedir, mandar, se desculpar e muito mais. E aí, do nada, a gente canta. Canta muitas vezes sozinho, no chuveiro, andando na praia, cozinhando… E por que cantamos?


Com a visão é a mesma coisa. Olhamos por onde andar, como cortar os legumes, olhamos a TV, as placas, os anúncios. Mas ,de repente, admiramos uma paisagem, a lua no céu, um quadro, um grafitti, uma cena qualquer. Paramos só para contemplar. Por que será?
Ouvimos a vizinha, o barulho dos carros, ouvimos o que nos falam e o silêncio, ouvimos para nos orientar. Mas aí vem a música. Ah, a música tem o poder de tirar a gente do lugar comum! Nietzsche falou " Sem a música, a vida seria um erro"
Fico pensando, será que só nós, seres humanos, temos esses lapsos? Esses momentos que não servem para nada?
Sempre discutimos aqui em casa o que os urubus fazem voando sem bater asas, só girando no ar quente que sobe. Com certeza não estão querendo se alimentar, nem fazer o cortejo, eles não querem nada somente se deleitar e voar.
O que interessa não é para que, mas é a coisa em si mesma. Dançamos , cantamos, admiramos, ouvimos musica simplesmente para nada. Voamos à nossa maneira, sem perceber nem programar.

Ferreira Gullar disse: " A arte existe porque a vida só não basta."





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